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Mário de Andrade

Brasil

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(São Paulo, 1893 - 1945). É um intelectual que poderia dispensar apresentações, mas este esforço se torna necessário nos nossos dias. Mário Raul de Morais Andrade nasceu em 1893, na cidade de São Paulo, tendo falecido precocemente, aos 52 anos, sem ter assistido ao final da II Guerra Mundial e ao retorno da democracia no Brasil. Além de ter sido professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, atuou como poeta, cronista, contista, ensaísta, romancista, fotógrafo, crítico literário, musicólogo, historiador da música e da arte, folclorista, etnomusicologista, gestor cultural e secretário de Estado. Ao lado de Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral, compôs o dito “Grupo dos Cinco” do movimento modernista brasileiro. Juntamente com outros como Graça Aranha, Paulo Prado, Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho, Villa Lobos, eles participaram (exceto Anita) da famosa Semana de Arte Moderna, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo entre 15 e 17 de fevereiro de 1922. Como se sabe, este evento cultural foi consagrado, na versão histórica predominante, como o desencadeador de uma revolução cultural ao dar origem ao movimento modernista. Em poucos anos, Mário foi reconhecido como o líder do movimento, o que se deve em boa parte à sua abundante atuação como crítico e à sua capacidade de diálogo com diversos personagens como Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Oneyda Alvarenga, Prudente de Moraes, Anita Malfatti, Luís da Câmara Cascudo, Sérgio Buarque de Holanda e muitos outros. Isso ocorreu porque ele era, além de tudo, um profícuo epistológrafo (escritor de cartas), o que gerou uma correspondência que já alimentou cerca de trinta livros, centrais para entender o contexto da época e a forma como o movimento modernista foi construído e dinamizado.


Mário produziu uma rica obra em prosa e poesia. Como poeta, ele publicou, desde a juventude até sua morte, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), Paulicéia Desvairada (1922), Losango cáqui, ou afetos militares de mistura com os porquês de eu saber alemão (escrito entre 1921-3, publicado em 1926), Clã do Jabuti (1927), Remate de Males (1939), Costela do Grã Cão (1941) e Livro Azul (1941). Postumamente, vieram a público O Carro da Miséria (1946), Lira paulistana (1946) e Café (1942), além de vários poemas esparsos.

 

Seu primeiro livro, a poesia pacifista Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, se expressava ainda em um estilo parnasiano mal arranjado e, por isso, não foi integrado na antologia das Poesias completas. A adesão à estética modernista se dá com Paulicéia Desvairada, publicada no ano da Semana de Arte Moderna, que canta a cidade de São Paulo como “comoção de minha vida [...] Arlequinal! Arlequinal!”. Sua obra poética é variada e complexa, mas podemos identificar, para fins didáticos, um movimento que começa pelo experimentalismo estético, cômico e picaresco dos anos 1920 (Paulicéia Desvairada e Losango Cáqui), passa pela integração das formas e temas nacionalistas e regionais nos anos 1930 (do Clã do Jabuti em 1927 até o mais híbrido Remate de Males em 1939), até terminar, nos anos 1940, com um poética mais interiorizada e reflexiva (Costela do Grã Cão, Livro Azul e Lira Paulistana).
Em prosa, Mário escreveu contos, crônicas, romances, artigos e ensaios. Suas crônicas foram reunidas em Primeiro Andar (1926) e Os filhos de Candinha (1943); e seus contos em Os contos de Belazarte (1934) e Contos Novos (póstumo, 1947). O primeiro romance foi Amar, Verbo Intransitivo (1923-1927), que narra de forma experimental, com crítica irônica e digressões teóricas, a iniciação sexual de um adolescente da burguesia industrial paulista com uma governanta (Fräulein) que foi contratada para esses fins. No ano seguinte, vem à luz o romance mais famoso, acontecimento marcante na formação literária do país: Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928).


Seus artigos e ensaios foram resultado da atividade de crítico, com intensas colaborações em revistas e jornais, fundamentais para o próprio sustento material. A Escrava que não é Isaura, publicado em 1925, mas redigido em 1922, foi um ensaio dedicado a apresentar a teoria poética modernista. Os textos de crítica literária e de artes plásticas foram compilados em livros como O Baile das Quatro Artes (1943), Aspectos da Literatura Brasileira (1943), O Empalhador de Passarinhos (1944) e Vida literária (póstumo, 1996). Fez também estudos monográficos sobre O Aleijadinho e Álvares de Azevedo (1935), Lasar Segall (1935) e Padre Jesuíno do Monte Carmelo (1945). Um destaque à parte deve ser dado aos estudos sobre música, que envolveram história da música, teoria musical, música popular, documentação de folclore e etnomusicologia, dando origem a livros como Ensaio sobre Música Brasileira (1928), Compêndio de História da Música (1929, com nova versão intitulada Pequena História da Música), Modinhas Imperiais (1930), Música, doce música (1934) e Música de feitiçaria no Brasil (póstumo, 1963).


Além de escritor, Mário atuou como gestor cultural e servidor público. Dentre outras atividades, foi membro da comissão de reforma da Escola Nacional de Música; organizador do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; fundador da Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo; organizador do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada; diretor do Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo; e funcionário do Instituto Nacional do Livro. 


A Revolução de 1930, que conduziu Vargas ao poder, foi um marco no movimento modernista e também na vida de Mário. Já se estudou bastante sobre as relações entre os intelectuais modernistas e o Estado Novo, uma vez que muitos deles foram incorporados nos gabinetes e nas políticas nacionalistas de educação e cultura do Ministro Gustavo Capanema. As relações de Mário foram ambíguas: embora tenha travado conversações com Capanema e recebido ofertas de providenciais investiduras públicas, ele vivenciou a interrupção do sentido democratizador dos seus projetos culturais e acabou tendo suas ideias nacionalistas distorcidas e manipuladas pelo autoritarismo estatal, com danos para a recepção de sua obra pelas gerações seguintes. Além do mais, com o golpe de 1937 e a implementação da ditadura, ele foi afastado da Secretaria de Cultura de São Paulo e começou a viver um inferno astral em exílio no Rio de Janeiro. Este é o começo de uma fase mais desencantada, quiçá melancólica, da qual Mário não irá se recuperar plenamente mesmo após seu retorno à cidade natal, pois coincide com o declínio da saúde até vir a desvanecer, em 1945, no dia 25 de fevereiro, por coincidência o mesmo mês da Semana que o lançou, 23 anos antes, para o centro da vida cultural nacional.

Excerto de:
Magnelli, André (2022) O modernismo inacabado de Mário de Andrade.
In: A arte interessada. Rio de Janeiro: BBLA.

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